sábado, 1 de janeiro de 2011

POESIA DE MIA COUTO







Fotografia de Alfredo Cunha

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idades

O espelho

Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
ao tentar mostrar que sou eu.

Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem
deixaram-me, a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.

A idade é isso: o peso da luz
com o que nos vemos.



cidades

O urbano visita a savana

Olhou a paisagem
e seus infinitos
Despois de inspirar fundo,
perguntou

-A imagem está óptima.
Mas, não tem legendas?




Divindandes

Depoimento 

Eis o meu contento:
nunca pisei chão que fosse meu.

E o quanto sonhei
foi um desfolhar de estação,
uma pluma sem destino.

Eu vi o vazar dos rios
e vivi sem saber onde eu estava vivo.

E amei
como se nunca antes
ninguém tivesse amado.

Eu sonhei
como se fosse o último primeiro homem.
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Raiz de Orvalho
....
Assim me debruço
na janela do poema
escolho a minha própria neblina
e permito-me ouvir
o leve respirar dos objectos
sepultados em silêncio
e eu invento o que escrevo
escrevendo para me inventar
e tudo me adormece
porque tudo desperta
a secreta voz da infância

Amam-me demasiado
as coisas de que me lembro
e eu entrego-me
como se me furtasse
à sonolenta carícia
desse corpo que faço nascer
dos versos
a que livremente me condeno.

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