sábado, 1 de janeiro de 2011

ROMANCES DE MIA COUTO

Fotografia de Alfredo Cunha


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TERRA SONÂMBULA 

Esta obra narra a história do velho Tuahir e do menino Muidinga, que servem-se de um machimbombo incendiado em uma estrada poeirenta como seu abrigo, em fuga da guerra civil devastadora que grassa por toda parte em Moçambique. Como se sabe, depois de dez anos de guerra anticolonial. O veículo está cheio de corpos carbonizados. Mas há também um outro corpo à beira da estrada, junto a uma mala que abriga «os cadernos de Kindzu», o longo diário do morto em questão. A partir daí, duas histórias são narradas paralelamente: a viagem de Tuahir e Muidinga e, em flashback,o percurso de Kindzu em busca dos naparamas, guerreiros tradicionais, abençoados pelos feiticeiros, que são, aos olhos do garoto, a única esperança contra os senhores da guerra. 

- Estou-lhe a dizer, miúdo: vamos instalar casa aqui mesmo.
- Mas aqui? Num machimbombo todo incendiado?
- Você não sabe nada, miúdo. O que já está queimado não volta a arder.
(...) - Mas na estrada não é perigoso, Tuahir? Não é melhor esconder no mato?
- Nada. Aqui podemos ver os passantes. Está-me compreender?
- Você sempre sabe, Tuahir.
- Não vale a pena queixar. Culpa é sua: não é você que quer procurar seus pais?
- Quero. Mas na estrada quem passa são bandos.
- Os bandos se vierem, nós fingimos que estamos mortos. Faz conta falecemos junto com o machimbombo.
Excerto do cap. I. «A estrada morta»

                                          
                      
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Terra Sonâmbula foi considerado por júri especial da Feira do Livro de Zimbabwe um dos doze melhores livros africanos do século XX. 

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A VARANDA DO FRANGIPANI 

A narrativa de A Varanda do Frangipani decorre na Fortaleza de S. Nicolau. A fortaleza há muito que deixou de ser reduto de defesa e ocupação estrangeira para se transformar num asilo de velhos. A trama policial, as reflexões sobre a guerra e sobre a paz, o Universo mágico, a riqueza de personagens, aliados a uma narrativa pujante e amadurecida, fazem deste livro uma das mais belas obras de Mia Couto.

O culpado que você procura, caro Izidine, não é uma pessoa. é a guerra. Todas as culpas são da guerra. Foi ela que matou Vasco. Foi ela que rasgou o mundo onde a gente idosa tinha brilho e cabimento. Estes velhos que aqui apodrecem, antes do conflito eram amados (...)
Vê aquele edifício, além, todo em ruínas? Aquilo já foi uma enfermaria. Era ali que eu trabalhava. Recebia medicamentos da cidade. Mas o asilo foi atacado, semanas após eu ter chegado. Os bandos entraram aqui, roubaram, mataram. Lançaram fogo sobre a enfermaria. Morreram duas velhas. Não morreram todos graças a quem? Espante-se, caro Izidine. Graças a Vasco Excelêncio. Se admira? Pois foi Vasco que entrou pelas chamas adentro, arregaçando coragem e salvando os outros doentes. Do edifício restaram chamuscadas paredes.
Depois da tragédia, eu fiquei como aquelas ruínas. Sobretudo quando soube que a principal razão do ataque tinha sido eu própria, Marta Gimo. Os bandidos me queriam raptar, conduzir-me para os acampamentos deles. Levei tempo a refazer-me daquele incidente. Nunca me refiz totalmente. A guerra deixa em nós feridas que nenhum tempo pode cicatrizar.
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Excerto do capítulo: A Confissão de Marta

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VINTE E ZINCO 

Numa pequena cidade do Moçambique colonial a violência sustenta um mundo dividido - o dos naturais, em baixo, e, sobre ele, o peso do opressor. De súbito, lá longe, na capital do Império, a terra treme, o pilar da sustentação abate-se, e na pequena cidade colonial o efeito é catastrófico. Das profundezas ergue-se o novo mundo. Do velho salvar-se-á alguém?
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- Me diga, senhor Lourenço. Com esta nova situação, o que é que vai fazer?
- Sei lá.
- Mas tem que saber. Ou os outros vão saber por si.
- Isto não vai ficar assim. A minha gente não vai deixar isto ficar assim.
- O senhor já não tem gente nenhuma, senhor Castro. Vá-se embora daqui, sem mais demora.
- Não posso, ainda tenho coisa a fazer aqui.
- Ao menos, deixe eu levar Dona Margarida, sua mãe. Eu acompanho a senhora para Pebane. Lá, a senhora apanha um barco. E o senhor vai junto com ela.
- Eu não vou, fico por aqui. Vou morrer aqui, já sei.
- Deixe disso, senhor Castro. Ainda lhe vou convidar para a festa da nossa Independência.
- Preferia morrer a ver essa tragédia.
- Este vinte e cinco ainda não é nada. Hão de vir outros vinte e cincos, mais nossos, desses em que que só há antes e depois.
- Prefiro morrer.


Excerto do texto «28 de Abril»





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  O ÚLTIMO VOO DO FLAMINGO

Tizangara, primeiros anos do pós-guerra. Nesta vila tudo parecia correr bem. Os capacetes azuis já haviam chegado para vigiarem o processo de paz, e o dia-a-dia da população corria numa aparente normalidade. Mas por razões que quase todos desconheciam, esses mesmos capacetes azuis começaram, de súbito, a explodir. Massimo Risi, o soldado italiano das Nações Unidas destacado para investigar estas estranhas explosões, chega a Tizangara. Colocam-lhe um tradutor à disposição, e é através do relato deste que tomamos conhecimento dos factos. Entramos num mundo de vivos e de mortos, de realidade e de fantasia, de feitiços e de sobrenatural. A verdade e a ficção passam por nós em personagens densamente construídas, de que o feiticeiro Andorinho, a prostituta Ana Deusqueira, o padre Muhando, o administrador Estêvão Jonas e a sua mulher Ermelinda, a velha-moça Temporina, o velho Sulplício, são apenas alguns exemplos... 

O mistério adensa-se. Os soldados da paz morreram ou foram mortos?
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 UM RIO CHAMADO TEMPO, UMA CASA CHAMADA TERRA

Um jovem estudante universitário regressa à sua ilha-natal para participar no funeral de seu avô Mariano. Enquanto aguarda pela cerimónia ele é testemunha de estranhas visitações na forma de pessoas e de cartas que lhe chegam do outro lado do mundo. São revelações de um universo dominado por uma espiritualidade que ele vai reaprendendo. À medida que se apercebe desse universo frágil e  ameaçado, ele redescobre uma outra história para a sua própria vida e para a da sua terra. 

A pretexto do relato das extraordinárias peripécias que rodeiam o funeral, este novo romance de Mia Couto traduz, de uma forma a um tempo irónica e profundamente poética, a situação de conflito vivida por uma elite ambiciosa e culturalmente distanciada da maioria rural.

Uma vez mais, a escrita de Mia Couto leva-nos para uma zona de fronteira entre diferentes racionalidades, onde percepções diversas do mundo se confrontam, dando conta do mosaico de culturas que é o nosso país e das mudanças profundas que atravessam a sociedade moçambicana actual.

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O OUTRO PÉ DA SEREIA 

Viagens diversas cruzam-se neste romance: a de D. Gonçalo da Silveira, a de Mwadia Malunga e a de um casal de afro-americanos. O missionário português persegue o inatingível sonho de um continente convertido, a jovem Mwadia cumpre o impossível regresso à infância e os afro-americanos seguem a miragem do reencontro com um lugar encantado.

Outras personagens atravessam séculos e distâncias: o escravo Nimi, à procura das areias brancas da sua roubada origem. A própria estátua de Nossa Senhora, viajando de Goa para África, transita da religião dos céus para o sagrado das águas. E toda uma aldeia chamada Vila Longe atravessa os territórios do sonho, para além das fronteiras da geografia e da vida.

As diferentes viagens entrecruzam-se numa narrativa mágica, por via de uma mesma escrita densa e leve, misterios e poética de um dos mais consagrados escritores da língua portuguesa.

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VENENOS DE DEUS, REMÉDIOS DO DIABO

O jovem médico português Sidónio Rosa, perdido de amores pela mulata moçambicana Deolinda, que conheceu em Lisboa num congresso médico, deslocou-se como cooperante para Moçambique em busca da sua amada. Em Vila Cacimba, onde encontra os pais dela, espera pacientemente que ela regresse do estágio que está a frequentar algures. Mas regressará ela algum dia? Entretanto vão-se-lhe revelando, por entre a névoa que a cobre, os segredos e mistérios, as histórias não contadas de Vila Cacimba – a família dos Sozinhos, Munda e Bartolomeu, o velho marinheiro, o administrador, Suacelência e a sua Esposinha, a Misteriosa mensageira do vestido cinzento espalhando as flores do esquecimento.

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JESUSALÉM

Jesusalém é seguramente a mais madura e mais conseguida obra de um escritor em plena posse das suas capacidades criativas. Aliando uma narrativa a um tempo complexa e aliciante ao seu estilo poético tão pessoal, Mia Couto confirma o lugar cimeiro de que goza nas literaturas de língua portuguesa.

A vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado, diz um dos protagonistas deste romance. A prosa mágica do escritor moçambicano ajuda, certamente, a reencantar este nosso mundo.

Acompanhe ainda o texto de apresentação de Ungulani Ba Ka Khosa e as imagens do lançamento do livro.

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